Afinal Vinho faz bem ou não à saúde?
Diversas mídias divulgaram e ainda têm divulgado um estudo afirmando que ao contrário do que sempre se soube, o Vinho não faz bem ao coração, ao contrário, faz mal.
A matéria original intitulada “Como o vinho tinto perdeu a fama de saudável e por que ele não é mais considerado bom para o coração” publicada no The New York Times, foi repostada por inúmeras mídias sem ter sido investigada. Basta pesquisar esse título para saber que todo mundo publicou a mesma coisa…
Bem, não tardou a acontecer o inevitável, inúmeras pessoas entre Amigos, parentes, seguidores, etc., encherem meu e-mail, Whatsapp, Instagram, etc., me questionando a respeito, afinal, uma das postagens mais divulgadas que fiz foi falando há anos sobre Vinho e Saúde.
Bem, como sou antigo, fui checar a veracidade da tal matéria com o Dr. Jairo Monson, que gentil e competente como sempre, me respondeu em duas etapas:
“Amigo Didu:
Precisei me envolver com outras situações e fiquei com pouco tempo hoje, mas tem no youtube uma apresentação que fiz num evento do final do ano passado onde trato da questão que tu me apresenta. Vou te mandar o link. A minha apresentação inicia na 1:30 h do vídeo e abordo essa questão mais ou menos no trecho 1:40 h do vídeo. Como tu, penso que foi uma irresponsabilidade da jornalista. Caso tu queira mais alguma informação, não hesita em me retornar uma mensagem. Link
Grande abraço, muito sucesso e… Saúde!”
E depois o seguinte:
“Amigo Didu:
Quem está por trás desse artigo é a Fundação Bill & Melinda Gates. Eles patrocinaram o Global Burden of Disease (GBD) e incentivaram Alice Callman (autora do artigo que me enviastes) para a publicação. Essa Fundação tem, entre outros objetivos, diminuir o consumo de álcool. Eles têm patrocinados várias ações e estudos nesse sentido. Nas questões de saúde, onde esta fundação coloca grana, tem-se que avaliar o risco de haver algum viés. Viés é a palavra que se usa em ciência para designar desvio, interesse.
Três nomes foram citados no artigo da Alice, como fonte de consulta. Com os nomes da Leslie Cho e da Jennifer L. Hay,, não encontrei nenhum artigo no PubMed (melhor ferramenta de buscas de artigos científicos na internet, na minha opinião) e na Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA (a melhor biblioteca médica, na minha opinião) nenhum artigo relacionado ao consumo de álcool e saúde. O outro nome consultado pela autora foi Tim Stockwell. Esse é um membro da equipe liderada pelo Dr. Jinhui Zhao, que publicou o artigo que eu comento no texto que te enviei.
Estou anexando um texto comentando o artigo. Fique à vontade para repassá-lo, se achar oportuno. ”
Bem, como acho que o assunto é sério segue também o artigo do Dr. Jairo Monson, a quem agradeço mais uma vez.
Qualquer consumo de álcool é danoso à saúde?
Jairo Monson de Souza Filho
Médico
Não!
A mídia do mundo repercutiu de uma maneira errada um trabalho publicado em abril de 2023 na JAMA Network Open. Esse estudo foi conduzido pelo Dr. Jinhui Zhao e outros investigadores do Canadian Institute for Substance Use Research da University of Victoria e da Universidad de Porthsmouth. Eles analisaram a evidência científica disponível até então e avaliaram a relação do consumo de qualquer quantidade de álcool com a mortalidade total. Para tanto, eles consideraram 107 estudos observacionais de cohortes, que totalizam 4.838.825 indivíduos. Esse estudo, em que pese ter sido publicado recentemente, tem sofrido fortes críticas da comunidade científica. Abordarei as principais nesse texto.
Os dados apresentados nesse estudo contradizem explicitamente a afirmação de que “qualquer quantidade de álcool é danosa”. Acho que a dificuldade para a correta compreensão dessa publicação deve-se ao fato de ser um artigo muito técnico e que os autores colocaram nas “conclusões e relevância” a seguinte afirmação: “a ingestão diária baixa ou moderada de álcool não foi significativamente associada ao risco de mortalidade por todas as causas, enquanto o aumento do risco foi evidente em níveis de consumo mais altos” (acima de 45 gramas por dia de álcool – o equivalente a 450 mL de vinho a 12,5 °GL).
Em trabalhos estatísticos, “significativamente” quer dizer “com significância (relevância!) estatística”. No caso deste estudo, quando se analisou todos os dados disponíveis se achou uma redução de 15% do risco relativo de mortes por todas as causas, com significância estatística, para o consumo de qualquer quantidade de álcool! Quando se corrigiu esses dados para quatro possíveis fatores de confusão, se obteve o mesmo resultado! Quando os autores resolveram corrigir para uma série de outros fatores possíveis de confusão, continuou se achando diminuição do risco relativo de morte por todas as causas, mas agora sem significância estatística. Isso é que gerou a frase nas “conclusões e relevância” do estudo e levou tantos entendimentos equivocados.
Os autores afirmam que esse trabalho é uma atualização de outro semelhante que eles publicaram em 2016 e que avaliaram cerca de 4 milhões de indivíduos. Na publicação de 2016 fora considerados 81 estudos observacionais de cohortes. Destes, 72 (88,9%) apresentaram benefícios ao consumo de qualquer quantidade de álcool, sendo que 33 (40,7%) com significância estatística; um mostrou ser neutro e 8 (9,9%) estudos mostraram dano, sendo apenas um (1,2%) com significância estatística. Na publicação de 2023 foram adicionados 26 estudos, mas os autores não disponibilizaram os dados, só fizeram as referências. Supõem-se que o acréscimo desses 26 estudos não tenha mudado significativamente as proporções acima apresentadas.
Nos estudos incluídos nessa última análise estão três feito com orientais. Sabe-se que estes têm inibida a enzima Aldeído desidrogenase e por isso são menos tolerantes ao álcool e suscetíveis a danos com doses mais baixas. Isso pode ter impacto nas análises estatísticas.
Outra crítica feita a esse estudo é que a mensuração das medidas do consumo de álcool foi imperfeita. Um dos motivos é porque ela foi auto informada e, os pacientes tendem s subestimar
o consumo. E isso impacta na análise dos dados. Outro motivo foi que em muitos estudos a informação sobre o consumo de álcool foi obtida em apenas um ponto do tempo, enquanto a análise dos dados se refere a um período de alguns anos.
Outra crítica que o estudo recebeu é que o grupo de abstêmios é inconfiável, porque nele deve estar muitos indivíduos que não bebem porque são doentes e têm contraindicação ao consumo de álcool. Isso também impacta na análise dos dados.
Os autores não consideraram as diferenças biológicas entre homens e mulheres. Colocaram todos num mesmo grupo para análise. É bem sabido que as mulheres metabolizam menos o álcool, pela sua biologia, e por isso os níveis seguros de ingestão de álcool são menores que os homens que têm os mesmos dados antropométricos. Se os autores respeitassem a biologia e analisassem homens e mulheres em grupos e com parâmetros diferentes, os resultados seriam outros.
Foram poucos os estudos que dispunham de dados para corrigir todos os possíveis fatores de confusão. Isso diminui muito o número da amostra e a força estatística do trabalho. Os autores não informaram o tamanho da amostra, quando fizeram a correção para múltiplos possíveis fatores de confusão.
A crítica feita com mais contundência é pelo fato de os autores terem usado 25 gramas de álcool (o equivalente a 250 mL de vinho a 12,5 ºGL) por dia como o limite do consumo leve para moderado, tanto para homens como para mulheres. A maioria dos pesquisadores considera esse um consumo alto. O Center for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América considera como consumo moderado para homens de 6 a 28 gramas por dia de álcool e para mulheres de 6 a 14 gramas por dia de álcool. Menos que isso consideram consumo leve e mais, consumo abusivo. Outras autoridades sanitárias que definem o consumo álcool, têm valores semelhantes a esses. Se, nesse estudo liderado pelo Dr. Jinhui Zhao, fosse uado os critérios adotados pelos EE.UU. certamente os resultados seriam diferentes.
Ao menos um dos autores declarou ter recebido dinheiro de uma instituição que combate o consumo de álcool, para a realização desse estudo. Isso, no máximo, mostra uma motivação para realizar o trabalho, mas não compromete a seriedade e os resultados do estudo.
Outros pesquisadores referem a importância de relacionar o consumo de álcool não apenas com a mortalidade total, mas também com causas específicas, como cardiocirculatórias e cânceres. Outros estudos têm mostrado uma diferença significativa.
Outra crítica forte feita ao trabalho Dr. Zhao e colaboradores, foi que não fizeram distinção entre os tipos de bebidas alcoólicas. Considerar todas as bebidas alcoólicas iguais é um erro e injusto, uma vez que estudos feitos até agora mostrarem, invariavelmente, que o vinho causa mais benefícios e menos danos que outras bebidas alcoólicas, quando o consumo de álcool é semelhante. Considerar destilados, cerveja e vinho como tendo os mesmos efeitos para a saúde é como considerar todos os antibióticos iguais. Não são!
A análise feita em quase 5 milhões de indivíduos pela equipe do Dr. Jinhui Zhao, evidenciou que para cada um estudo que mostra danos à saúde pela ingestão de qualquer quantidade de álcool, temos 9 que mostram benefícios! Se considerarmos os estudos que mostram significância estatística, essa proporção é maior ainda: para cada 33 estudos que mostram benefícios existe um que mostra dano! Essa é a evidência científica disponível hoje