Vinho Natural. Não fale bobagem por gentileza.
Continuo lendo, ouvindo e vendo tanta bobagem sendo dita sobre Vinhos Naturais… Como tudo que está na moda é compreensivo isso, mas o pior é que muitos “instagramers”, “influencers” (existem essas palavras?…), colunistas e mesmo jornalistas do vinho, repetem o que houvem, a coisa vai se propagando.
Não há um produtor de vinho hoje que não use o termo “Natural” quando fala de seu vinho.
Natural e Micro -Terroir, ou Micro – Parcela (o conhecido Climat que os franceses conhecem há anos), são as palavras de ordem do momento. Pode observar.
Por tanto, acho que merece deixar algumas coisas claras para o bem da informação ao leitor.
1 – Vinho Natural foi o vinho que a humanidade bebeu por praticamente 9 mil anos, até que surgiram os adubos químicos que quebraram o equilíbrio que havia na agricultura. Desequilíbrio que gerou o crescimento desordenado de gramíneas que passaram a ser chamadas de ervas daninhas e a mesma indústria criou os herbicidas, que contribuíram então para o aparecimento desordenado de “pragas” insetos que perderam seus predadores naturais em função do uso dos químicos, e surgiram os fungos desordenadamente pela mesma razão e a indústria criou os herbicidas, fungicidas… e assim surgiu há cerca de 60 ou 70 anos atrás a agricultura tal qual conhecemos hoje, de monocultura e refém da indústria química. Isso mudou o modelo de agricultura no Mundo e o Vinho foi de embrulho. Trata-se de modelo econômico basicamente.
2 – O vinho Natural passou a renascer no final da década de 60, começo da de 70. Pelos estudos do Jules Chauvet. Que era químico, enólogo da La Chapele-de-Guinchay , professor, estudioso das leveduras, das fermentações, etc. e que começou a testar voltar a fazer vinhos sem intervenção como sempre se fez na história da humanidade. Jules era muito amigo do Marcel Lapierre que se entusiasmou com a idéia e lançou no início dos anos 80 seu famoso Morgon sem SO2 e ganhou fama, entrando nas principais cartas de restaurantes estrelados… A ele foram se juntando vários outros como Jean Foillard, Gy Breton, Jeán Paul Thénevet, Pierre Overnoy, e tantos mais.
Jules Chauvet
3 – Os principais produtores de Vinhos Naturais são antes de tudo defensores do artesanal e uma espécie de resistência a monocultura e o modelo industrial de fazer vinho. Sempre pequenos produtores.
4 – Provavelmente a maioria dos bons e autênticos Vinhos Naturais que você provará em sua vida serão de cultivo biodinâmico, pode ter certeza disso. Neste tema (biodinâmica), não dá para surfar na onda do modismo pois o tema é sério. Precisa estudar muito, trabalhar muito e ser muito sério. Um produtor biodinâmico é antes de qualquer coisa um biodinâmico em essência, como pessoa. E não é certificado que garante essa prática não, tenha certeza, você precisa conhecer o produtor…
5 – Por uma questão de princípios, um Vinho Natural deveria ser sempre produzido com uvas no mínimo orgânicas. Porém, acredite também, certificados de orgânicos ou de biodinâmicos (que são inúmeros), não querem dizer muita coisa. Em muitas das vezes trata-se apenas de apelo comercial. O importante é se conhecer quem produz o vinho. Há muita enganação nisso e os melhores vinhos Biodinâmicos não têm certificação. Basta dizer que a Demeter da Alemanha aceita uso de leveduras selecionadas (??!!??), por pressão de produtores. Precisa dizer mais?… Money makes a World gonna around… Money money money.
6 – Vinho Natural é diferente de Vinho de Fermentação Natural. Hoje existem muitos produtores que pela atualidade e modismo do tema, compra uvas de cultivo convencional e vinifica sem intervenção e chama de Vinho Natural. Não é. Há até ótimos exemplares, mas não é correto chamar de vinho Natural.
7 – Outro tema importante é que Fermentação com leveduras indígenas é diferente de Fermentação Espontânea. Pode-se desenvolver leveduras selecionadas de seu próprio vinhedo, inoculando-as. Isso é muito melhor do que adicionar uma levedura comprada, que mata a original indígena que contém a personalidade do local e do ano. As leveduras industrializadas e muitas vezes aromatizadas, simplesmente falsificam o terroir.
O enólogo pode também fazer um pé de cuba, como se diz, um concentrado de leveduras, com as próprias uvas (as melhores) do próprio vinhedo na própria safra. Isso garante a fermentação do mosto sem interferência de leveduras externas.
Maurizio Ferraro
Na Fermentação Espontânea, que acontece normalmente em tanques abertos e naturalmente, a influência do ambiente faz diferença e trás uma personalidade única, coisa que a não espontânea não oferece. O ambiente, o produtor, as pessoas que trabalham alí, os fungos e teias de aranha daquele lugar, os animais que circulam, tudo, absolutamente tudo, oferece um toque naquela fermentação. Essa personalidade só se encontra nesses vinhos.
8 – O SO2 é ponto de honra entre produtores de Vinhos Naturais. Via de regra não se deve acrescentar, muito embora é comum a própria fermentação se apropriar de condições do ambiente onde se vinifica e produzir uma certa quantidade de anidrido sulfuroso, sempre abaixo de 40 mg/l. Porém esse tema como qualquer outro vira polêmica mesmo entre os radicais, pois até as primeiras associações de produtores de Vinhos Naturais seja na França, na Espanha ou na Itália têm discussões ferozes a respeito e aceitam (o que parece inacreditável), a adição de pequenos porcentuais de SO2 embora tenha que ser mencionado no rótulo. Como disse acima, esqueça certificados e procure saber quem é o produtor e o que ele pensa.
9 – Por um Vinho ser Natural, porém, não significa dizer que os “outros vinhos” sejam artificiais. Claro que não. Só um tonto pode se ofender com isso e achar isso. Não é por que os vinhos convencionais tenham a seu dispor mais de 300 insumos enológicos e outros 300 produtos químicos para serem aplicados nos vinhedos, que todos eles usam tudo isso. Afirmar isso é simplesmente inaceitável e prova de ignorância.
É fundamental entender que enólogos de volumes consideráveis, são contratados para entregar um produto já definido. Não há romantismo nisso. Se ele errar ele perde o emprego e pode complicar a vida financeira da vinícola. Poucos pensam nisso.
Basicamente o enólogo de volumes, tem que ter controle total dentro da vinícola, razão pela qual o ambiente é quase sempre asséptico. Então ele mata tudo que é indesejado que vem de fora e depois acrescenta o que precisa para fazer a uva virar vinho. O ponto crucial disso chama-se leveduras selecionadas, que são quase sempre industrias e de outro lugar. Ou seja é uma perda da personalidade, do DNA. Razão pela qual há tanto vinho parecido buscando atender a um gosto do consumidor.
Nicolas Joly
O produtor artesanal, ao contrário, vai no caminho inverso. ele precisa dessa vida externa para que o vinho aconteça sem interferência. Para que isso aconteça é fundamental que as uvas sejam muito boas, sem presença de químicos e de ambiente equilibrado (daí a importância da biodinâmica), razão pela qual o produtor biodinâmico Nicolas Joly afirmou certa vez que “a enologia moderna só serve para corrigir os erros que o homem comete no campo…” Gênio.
10 – Há muitos e muitos excelentes vinhos convencionais que são considerados convencionais por usarem práticas enológicas modernas, mas de baixíssima intervenção, inclusive com leveduras suas inoculadas e usadas como padrão local. Por tanto não se pode jogar na mesma cesta todos os vinhos ditos convencionais. Uma coisa são os vinhos de grande volume, populares, e tal, outra os convencionais que valorizam terroir e inclusive as leveduras indígenas e que não são biodinâmicos nem naturais.
11 – A questão da avaliação é ponto crucial na minha opinião. Não é por que o Vinho é Natural que ele é bom. Porém não acho correto se avaliar um vinho natural com bases na avaliação formal e “estabulada” dos cursos de vinho. Essa avaliação parte da nota máxima e vai procurando defeitos e tirando notas, conforme um padrão.
Com os Vinhos Naturais deve-se fazer exatamente o inverso, ir provando e procurando o que lhe seduz e lhe agrada. Não se trata de comparações, afinal, é necessário um tanto de humildade para degusta-los, uma vez que se ele é puro e sem interferências estará mostrando o que aquele terroir com aquela casta oferece. Quem tem esse conhecimento para dar algum palpite? Humildade por tanto cai bem e é inteligente.
O Vinho Natural tem autenticidade, é um caminho de aprendizado, não temos base nem conhecimento necessário para avalia-lo. É absolutamente incorreto avalia-lo com padrões de tipicidade atribuídos a uma casta em sua origem e baseado em rodas de aroma criadas na Universidade de Denver há cinquenta anos atrás e com base em vinhos de Bordeaux… Sorry. Não se trata disso.
Um alerta. Curta o seu vinho e seja feliz, mas por gentileza, não fale bobagens, ok? Isso vai acabar influenciando o ChatGPT… hahahaha. Saúde!