Laura Catena deu um Show!
Semana passada eu tive a honra de ter sido convidado pela Laura Catena e pela Mistral, para participar de uma degustação especial para alguns poucos privilegiados do jornalismo do vinho, e na função de comentarista oficial, envolvendo os convidados a participarem com seus comentários.
O evento contava com oito duplas de vinhos que foram comentados de dois em dois e que envolviam os temas: Cru, Tensão, Elegância e Longevidade.
Eu gostei demais da experiência pois o chamado Novo Mundo do Vinho, evoluiu de tal maneira, especialmente Argentina e chile, que em muitos casos essa comparação perde o sentido.
Vejam os vinhos que foram degustados por tema:
- Cru:
Catena Zapata Adrianna Chardonnay White Stones 2019 (Catena Zapata)
Classificado com nada menos que 99 pontos por Robert Parker na safra 2019, o White Stones é um dos melhores exemplos de vinhos de terroir. Para Parker, o vinho mostra um estilo “mais para um Meursault que um Chablis, mas com notas cítricas.” James Suckling, que classificou esta safra com 97 pontos, destacou a “mineralidade quase salina” do vinho. Trata-se de um branco magistral, muito complexo, concentrado e aveludado, centre os maiores vinhos do mundo elaborados com a casta Chardonnay.
Domaine de Montille Meursault 1er Cru AOC Les Porusots 2018 (Domaine de Montille)
Famoso por seus cativantes aromas repletos de notas cítricas e de especiarias, o 1er Cru Les Porusots tem seu nome derivado do latim petrosa, que indica um lugar cheio de pedras. A parcela, de apenas 0,63 hectare (dos 4,41 do Cru) fica vizinha ao 1er Cru “Les Genevrières”, famoso por seus Meursaults opulentos. Apenas 25% das barricas de carvalho são novas, é para preservar as notas exóticas deste belo terroir.
- Tensão:
Catena Zapata Adrianna Chardonnay White Bones 2019 (Catena Zapata)
O “Montrachet argentino” para James Suckling, que concedeu os máximos 100 pontos para a safra 2018 e 99 para a safra 2019. O White Bones é sem dúvida um dos maiores brancos do mundo. Segundo Robert Parker, o White Bones “deixaria com vergonha muitos Grands Crus da Borgonha”. Este fantástico Chardonnay mereceu é impressionantemente complexo e cheio de camadas. As uvas são originadas no vinhedo Adrianna, de solo aluvial, rico em calcário, e subsolo composto de pedras redondas. Seu estilo é exuberante e denso, com notas de mel e damasco, muito cremoso no palato, com ótima acidez “e um elemento salino que confere ao vinho uma textura tridimensional”, na opinião de Stephen Tanzer. Sem dúvida uma das mais fantásticas expressões da casta Chardonnay.
Joseph Drouhin Corton Charlemagne 2019 (Joseph Drouhin)
Apenas 3 barricas do excepcional Corton-Charlemagne de Drouhin foram produzidas em 2019. A parcela de Joseph Drouhin, de apenas 0,33 hectare, é cultivada de maneira biodinâmica desde o início da década de 1990, localizada em Les Languettes. O vinho combina de maneira magistral volume, nervo, profundidade, notas florais e um marcante toque mineral. Um vinho de imensa capacidade de envelhecimento.
- Elegância:
Catena Zapata Adrianna Fortuna Terrae 2018 (Catena Zapata)
Classificado com 98 pontos por James Suckling na safra 2018, o Fortuna Terrae é um dos mais fantásticos vinhos do planeta. Seu nome significa “Sorte da Terra” em latim – fazendo referência às videiras desta minúscula parcela do vinhedo Adrianna. Devido ao frescor que vem dos solos profundos e da altitude, os vinhos do terroir de Fortuna Terrae apresentam uma ótima acidez e delicados e complexos aromas florais, lembrando mais um grande vinho da Borgonha que um Malbec tradicional. Um grande vinho, de longuíssima guarda.
Gevrey Chambertin 1er Cru Les Cazetiers 2018 (Faiveley)
Elaborado com uvas de uma parcela de 3,96 hectares de cultivo biodinâmico, o Les Cazetiers do Domaine Faiveley é um dos maiores achados da Borgonha. O vinhedo, junto com o “Clos Saint-Jacques” foi um dos Têtes de Cuvée” que não reclassificado como Grand Cru em 1930, sendo considerado um dos melhores Premier Cru de toda a Borgonha. O vinho combina os clássicos aromas terrosos e de frutas silvestres que é a marca registrada dos bons vinhos da Borgonha, com ótimo volume e profundidade.
- Longevidade:
Nicolás Catena Zapata 2016 (Catena Zapata)
O grandioso Nicolás Catena Zapata é sem dúvida um dos melhores vinhos do mundo. É um tinto impressionante, elaborado com um corte de Cabernet Sauvignon e Malbec provenientes dos melhores vinhedos de altura de Nicolás Catena. A safra de estreia causou furor ao ser degustada às cegas em cinco provas distintas, ao lado de vinhos da magnitude do Château Latour, Château Haut-Brion e Opus One, ficando 4 vezes em primeiro lugar e 1 vez em segundo. O Nicolás Catena Zapata é “um gigante, não apenas em potência, mas também em finesse e complexidade”, para Robert Parker, que avaliou a safra 2016 com 96 pontos e concluiu: “é um vinho de equilíbrio fantástico e enorme profundidade”.
Darmagi Langhe Cabernet Sauvignon 2016 (Angelo Gaja)
Um dos maiores e mais lendários tintos italianos, este estupendo e histórico Cabernet Sauvignon é produzido pelo genial Angelo Gaja, o maior nome da Itália. O nome Darmagi é uma expressão em dialeto piemontês com significado próximo de “maldito” – e expressou a fúria do pai de Angelo Gaja quando descobriu que ele plantou em 1978 2,5 hectares do mais nobre terroir de Barbaresco não com a uva Nebbiolo, mas com a estrangeira Cabernet Sauvignon. Extremamente elegante, classudo e sofisticado, com incrível profundidade e presença de boca, é um verdadeiro clássico, mostrando a uva Cabernet Sauvignon com um destacado acento italiano.
Lamentavelmente, por estar numa função de comentarista, não tive tempo de ser o Didú cinegrafista ou mídia ninja como preferirem… e por tanto não pude gravar os diversos comentários dos participantes, mas vou comentar sobre pontos que secondo me merecem a reflexão:
1 – A coragem da iniciativa da Laura Catena, pessoa a quem tenho enorme carinho, respeito e admiração, pois o que fez e tem feito pelo vinho argentino é digno de nota. Incansável, simpática, alegre, entusiasmada pelo que faz e simplesmente encantada pela Malbec. Meus respeitos.
2 – A questão do conceito de “Cru”, como sabemos esse termo que há em diversos países com outros nomes, tornou-se sinônimo de pedaço de terra especial e qualificado de um vinhedo. Seja com o nome Cru ou outro qualquer, o fato é que hoje há diversos Crus pelo Mundo do Vinho, seja nos Estados Unidos, seja no Chile, seja na Argentina, seja no Uruguay, etc.. Definitivamente há parcelas especialíssimas em vários lugares.
3 – A questão de Velho Mundo e Novo Mundo, a Laura com inteligência e perspicácia ressaltou que com vinhedos em pé-franco e solos semelhantes a grandes “Crus”, quem seria hoje o “Velho Mundo” ? A se pensar não? Achei super bem colocada a reflexão, inclusive por que a Malbec era antes da Philoxera a casta mais plantada em Bordeaux…
4 – Em alguns casos, houve quem preferisse os vinhos Catena em lugar do francês ou italiano. O que mostra que há vinhos a altura e que podem valer tanto quanto os historicamente reconhecidos.
5 – O trabalho da Laura em seu vinhedo Adriana, com diferentes pequenas parcelas distintas, mostra claramente que em Adriana não há apenas um Terroir de um lugar digno do termo “Cru”, mas há também “Climat” distinto. Isso fica claro com a diferença de estilo de mineralidade, ou tensão, ou eletricidade, ou acidez, que se encontra entre White Bones e White Stones, notadas por alguns como um mais salino que o outro, sendo que são parcelas distintas, uma delas minúsculas 27 fileiras do bloco 1 do vinhedo Adriana! Ora, estamos falando então de Climat, que é uma determinada especificidade de um Terroir.
6 – O extraordinário trabalho desenvolvido com a casta Malbec, raro em todo o Mundo, pela família Catena, mostra uma incrível diversidade de estilos, permitindo a Malbec se colocar bem em harmonizações onde se escolheria um Pinot Noir, onde se pensaria num Cabernet Sauvignon, onde se pensaria num Cabernet Sauvignon, dependendo de seu terroir, de seu cultivo, poda, extração, afinamento em madeira ou não, etc., acho isso extraordinário.
7 – A comparação de Ciro Lilla a respeito da importância de Nicolás Catena e de Angelo Gaja em seus respectivos países foi primorosa e eu ainda acrescento a incrível elegância desse dois personagens ímpares, basta lembrar que quando Nicolás foi escolhido o Homem do Ano pela Revista Decanter, ele veio ao Brasil para um evento e falou meia hora a respeito da Malbec argentina, sem citar o nome Catena uma única vez… raro isso. Gaja que levou o nome do vinho italiano ao ponto mais alto e inclusive foi o responsável pela valorização dos vinhos italianos no Mundo, nunca se vangloriou ou mesmo citou o fato em nenhum encontro que participei.
8 – A importância de iniciativas como essas, para mostrar como anda o Mundo do Vinho atualmente e ajudar a orientar quem realmente sabe consumir, degustar e apreciar um vinho de qualidade, sem a força da fama do rótulo que tanto motiva os nouveaux-riches. Essa categoria de consumidores precisam saber que para aprecer mesmo ser “rich” tem saber das coisas e saber das coisas significa estar bem informado sobre este tipo de informação. Chic é saber degustar um vinho tão bom quanto um famoso, ou ainda melhor, sem pagar o preço cobrado pelo prestigio do famoso…
9 – A incrível força da Cabernet Sauvignon, como uma casta pode ter tanta aptidão em diferente terroirs e mostrar sua personalidade com tanta firmeza? Quem poderia imaginar Piemonte e Mendoza mostrando tanta sutileza, força e elegância?
Parabéns a Laura Catena, pela coragem, pela qualidade de seus vinhos, pelo serviço prestado ao conhecimento do Vinho e pela oportunidade. Agradeço de coração a consideração a minha pessoa e espero não ter decepcionado. Grazie! Saúde.