A Fermentação Espontânea e o DNA do local.
Todos sabem de minha insistência com o tema dos vinhos Sinceros, aqueles vinhos que se manifestam por ação de suas próprias leveduras e de seu ambiente e não por ação de leveduras adicionadas.
Para os leigos e os não leigos também, gostaria de deixar claro que não tenho nada contra a vinhos digamos, convencionais. Eu sou um colunista de vinhos aberto que degusta de tudo e consome de tudo em termos de vinho e inclusive indico vinhos convencionais. Não tenho preconceitos, nem com o vinho de mesa, que inclusive aprecio.
Porém o leitor precisa saber que se tratam de mundos distintos. Há um mundo do vinho convencional, a grande maioria, onde toda parte de vinificação está sob o rígido controle de um enólogo em ambiente normalmente asséptico e onde as leveduras são adicionadas, pois as que vieram do vinhedo foram aniquiladas junto com todo o universo de bactérias por ação do SO2 que foi adicionado a elas. Então tudo o que for necessário a essa fermentação em seguida, será adicionado.
Esse profissional precisa disso para entregar o vinho para o qual ele foi contratado para entregar aos acionistas do negócio. Para isso não pode errar. É o mundo do vinho de volume.
Isso não quer dizer que TODO o vinho convencional usa e abusa de adições de qualquer dos cerca de 300 produtos enológicos disponíveis para se produzir um vinho hoje. Não. Muitos, eu diria até que a maioria, apenas lança mão de pequenas correções e principalmente o uso do SO2 e de leveduras acrescentadas. E muitos, também diria a maioria produzem vinhos muito bons e satisfatórios.
Porém existe um outro mundo que é o dos vinhos Sinceros, Autênticos, normalmente Artesanais, onde o DNA do local é preservado. Falo dos vinhos de fermentação espontânea ou de fermentação por leveduras indígenas. Vinhos como foram feitos durante milênios pelo ser humano, antes da agricultura ter sido retumbantemente seduzida pela indústria química, seja no campo, seja na adega.
Estes vinhos são o resultado ou de fermentação espontânea ou de leveduras indígenas.
A fermentação espontânea se dá pela ação das leveduras indígenas que estão nas uvas e também as do ambiente da vinícola, naturalmente em a seu tempo.
A fermentação por leveduras indígenas pode não ser espontânea, caso bastante comum aliás, quando se faz um “pé de cuba” (denominação dada a suspensão de microorganismos de concentração adequada – fermento), produzido com uvas do próprio vinhedo, que foram colhidas especialmente para isso no vinhedo em questão e são fermentadas em separado para serem adicionadas ao mosto.
A minha insistência com essa questão se dá apenas por gostar de degustar um vinho que seja único, inimitável, que tenha sotaque, que represente aquele local, aquela família, aquele “vigneron”… Eu acredito que o futuro de qualquer amante do vinho, em algum momento, será buscar por esses vinhos.
Como esse tema entra em assuntos que não domino, com ciências, biologia, etc., eu procurei meu sobrinho *Dr. Arnaldo D’Amaral Pereira Granja Russo, que sabe das coisas pois é Biólogo, Doutor, tem Mestrado e é Professor, para que ele me explicasse essa relação de mundos em seu efeito de autenticidade nos vinhos que gosto tanto. Veja seu currículo abaixo.
Pedi ainda que me explicasse qual a relação entre os fungos da cave da Alice et Oliver de Moor em Chablis, ou as teias de aranha centenárias dos López de Heredia na Rioja e seus vinhos maravilhosos, por exemplo.
Sua resposta foi tão legal que eu estou postando aqui para vocês pensarem no assunto… Aproveitem.
Na sequência eu então insisti: “Naldinho, então posso concluir que esse mundo dos mofos, fungos, teias e etc., influem diretamente nas características das leveduras que fermentarão o vinho em questão? E ele respondeu:
*Arnaldo D’Amaral Pereira Granja Russo. Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Maringá-UEM (2006) e doutorado em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Tem experiência na área de Oceanografia Biológica e Ecologia, com ênfase em Ecologia de Comunidades, atuando principalmente nos seguintes temas: produção primária planctônica, perifíton, ecologia de microalgas perifíticas, educação ambiental e computação musical. Professor do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Capivari (FUCAP). Professor colaborador nos cursos de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).