Em algum momento do século passado…
Em janeiro agora, numa noite fria e chuvosa de uma Firenze gelada, eu e meus filhos bebíamos felizes um Grappa Vecchia e conversávamos na companhia de um bom puro e eu dizia a eles que estava tão feliz de estar com eles, todos com saúde e aproveitando a vida, que me sentia um “Highlander”… afinal, estava bem disposto, com eles já adultos e bebendo comigo, coisa que sempre sonhei e que agora aguardo para fazer o mesmo com os netos logo mais, viúvo depois de 45 anos junto da Mãe deles, lembrando de tantos bons momentos, dos inúmeros bons Amigos que já se foram e tal… era um sentimento de highlander mesmo…
E se há coisa chata é se lembrar de Amigos que já não estão mais ao alcance de uma conversa de uma taça, de uma boa conversa acompanhada de um puro… quantas vezes não me pego lembrando de algo e pensando: preciso ligar pro Cacá, ele vai lembrar do nome daquele cara… pra logo em seguida me dar conta de que não existe mais o Cacá… assim como não existem mais o Renato (Ximbica), o Beto, o Rubão, O Fremder, o Salomão, o… e o… e a lista vai aumentando a todo instante.
Cacá, Don Barros e Didú
Eu gostava de chamar o Dr. Carlos Schmidt de Barros (Pai do Cacá), de Don Barros. Ele foi um personagem importante na minha vida por sua cultura, sua retidão, sua amizade, seus ensinamentos e seu apreço pelas coisas boas da vida, como as mulheres, a boa mesa, a boa bebida. ele era professor de Direito Administrativo no Largo de São Francisco.
Era rico, fazendeiro de café em São Manuel, fazenda onde passei grandes momentos de minha vida também e um “bon vivant”, apaixonado por passaros, a família havia sido dona de boa parte do bairro de Moema e aquelas ruas com nome de pássaros foi em funçnao desse gosto dele. Para se ter uma idéia de como ele curtiu a vida, apesar de seu pão-durismo, contava de várias moças com quem se divertia e depois dava um terreno lá de sua família… era outra época.
Aprendi muito de vinho com ele que gostava de Marques de Riscal. Era um pão duro inveterado, aliás coisa de DNA, pois seu pai que conheci velhinho, guardava a goiabada cascão num cofre! hahahahaaaaa.
O Cacá, Carlos Eduardo de Barros, foi dos meus mais queridos amigos, desde nossa infância, nos conhecemos no Colégio Rio Branco e ficamos Amigos por toda vida, dessa época também o Ximbica (Renato Cômodo), o Beto (Roberto Correa de Souza), o Rubão (Rubens Carvalho dos Santos), todos falecidos, o Betinho (José Roberto Silveira Bueno), o Joly (Ricardo Joly Iça) e o Claudio Edinger, estes últimos por sorte vivos mas sem contato.
Minha vida cotidiana incluía a casa do Cacá que era no terceiro andar de um prédio na esquina da Av. Angélica com a Av. Higienópolis. Tenho histórias de lá que dariam para escrever boa parte de um livro de memórias… Uma delas ligadas ao vinho.
O Don Barros, como dizia acima era um pão duro incorrigível e se orgulhava disso, tomava religiosamente uma taça de vinho por refeição. Desse modo, uma garrafa de Marques de Riscal durava para ele dois dias. Se eu aparecesse para filar a bóia, a garrafa durava menos, pois ele gostava de compartilhar, mas se a garrafa já estivesse aberta e só tivesse uma taça, ele não oferecia para não ter que abrir outra… e explicava isso para a gente… hahahahahaaaaaa.
Gostava de fumar juntos um charuto depois das refeições em seu jardim de inverno e ouvir suas histórias. Quando me casei me lembro do ciúme do Cacá quando o Pai me deu um cheque de 5 mil dinheiros da época. Era boa quantia. O Cacá se espantou e disse: eu nunca vi o Papai fazer isso com ninguém…
Bem, um belo dia leio no jornal a notícia a respeito do Chateau Mouton Rothschild que havia sido elevado a posição de 1er Grand Cru Classé. Aliás a notícia fora divulgada erradamente, dizendo que o vinho tinha sido eleito o Melhor do Mundo… sempre essa coisa. Depois vim a saber que não, que o Chateau teria sido guindado da posição de “deuxi`eme cru” da classificação de 1855 feita por Napoleão III para a Exposição Mundial de Paris, para Premier Grand Cru Classé.
De qualquer forma, cheguei para filar a boia com o Cacá e o Don Barros num dia que dei sorte dele ter aberto uma nova garrafa… e comentei. Vocês viram essa notícia?! Imagine beber o melhor vinho do Mundo!!! Não seria legal? Eu gostaria dessa experiência. Pronto, foi o suficiente para dessa conversa surgir a proposta do Don Barros: “Eu gostaria também, que tal se nos juntarmos e comprarmos juntos uma garrafa e brindarmos isso com um bom cordeiro assado?” A Flor, nome da empregada do Cacá, uma senhora velhinha, fazia um Cordeiro simplesmente inesquecível.
Bem, seria preciso encontrar o vinho, mas não sabíamos que a tal safra só estaria no mercado anos depois. Mas… o Don Barros um belo dia aparece com uma garrafa do Mouton Rothschild nas mãos… Era o 1970 com rótulo do Marc Chagall !!
A bem da verdade e da generosidade do Din Barros, ele nunca cobrou de nós o rateio dessa garrafa… Mas como foi que o sr. conseguiu? Naquela época você poderia encontrar vinhos finos em poucos lugares: Gomez Carrera, Casa Prata, Mappin, Depósito Normal, Casa Godinho, que me lembre… mas o Don Barros era amigo do Yan de Almeida Prado.
O Yan de Almeida Prado (João Fernando de Almeida Prado), era um intelectual, historiador, participante ativo da Semana de Arte Moderna e que aproveitou seu período de estudos em Paris, o que era comum aos ricos de então, e aproveitou para aprimorar seus gostos pela culinária e pelo vinho, local que recebia visitas de ilustres personagens da sociedade paulistana, como Marcelino de Carvalho, Francisco Matarazzo Sobrinho e Olinto de Moura.
O Don Barros era dessa roda, amigo do Yan de Almeida Prado e como ele, não sei se na mesma época, também viveu em Paris para estudos. Aliás o Dr. Sergio de Paula Santos, pessoa que tive o privilégio de conhecer e conversar bastante com ele, que frequentava essa roda conta histórias deliciosas sobre a Pensão Humaitá, nome dado em função do endereço, esquina da Brigadeiro Luiz Antonio com rua Humaitá, em seu livro Vinho sem Segredo. Ele (Dr. Paulo), velhinho já, se repetia e me contava diversas vezes o mesmo fato: ” Didú no tempo da Pensão Humaitá o Yan no final da refeição sempre dizia:… e se eu descer na minha adega… e voltava com mais uma bela garrafa…” ouvi isso umas cinco vezes ao menos.
Bem, voltando ao nosso Mouton, fizemos como combinado, num sábado, a For preparou seu Cordeiro e nós provamos “o melhor vinho do mundo”, foi um divisor de águas eu me lembro. Um experiência que me impressionou por perceber como havia um Mundo muito superior em vinhos para o padrão em que eu estava.
Nessa foto, que a Carminha barros, minha querida Amiga e viuva do Cacá me arrumou, estamos os tres fumando um bom charuto, talvez um Regalia Fina da Swerdick que o Don Barros gostava… Os dois já se foram arrumar a adega lá em cima, restou o highlander… que na foto parece mais um Barba Azul…