As taças de Champagne.
Conta-se que aquelas antigas taças abertas de Champagne, que eram o modelo comum nos tempos de nossos pais e que hoje são usadas apenas para os Champagnes do tipo “Doux”, teriam sido moldadas nos seios de “Madame Pompadour”, Srta. Jeanne-Antoinette Poisson, a famosa e poderosa secretária pessoal e amante do Rei Luis XV.
Sempre me divirto com essa história, pois como se sabe, o Champagne primeiro ganhou popularidade entre as damas dos “rendez-vous” para depois então ganhar a corte. Imagine quantos moldes não foram feitos não?… Mas independentemente do molde que serviu para o modelo da taça, a razão daquele formato certamente valorizava o borbulhar inédito do vinho espumante, que literalmente pulava na borda da taça e causava frisson na elite de então.
Quando estive com Mr. Georg Riedel – cuja família produz taças em cristal desde 1756 – perguntei por que a taça de Champange mudara tanto de formato através dos anos e ele me disse que antigamente se priorizava sentir as borbulhas, depois passou-se a priorizar o “pérlage” em seu visual, razão do sucesso das “flutes” e hoje o interesse maior está nos aromas, o que tem levado o design das taças a ficar mais bojudo.
Mas se antigamente se valorizava a beleza decorativa do cristal nas taças de vinho, como aquelas lindas de cristal de Murano trabalhadas a mão, e hoje encontradas apenas em antiquários, hoje a valorização do design é a busca da perfeita manifestação aromática e gustativa de cada tipo de vinho.
Parece um exagero isso aos ouvidos dos comuns mortais, mas acreditem, um vinho degustado em sua taça certa proporciona muito mais prazer. Eu não acreditava nisso, mesmo já tendo degustado mais de dez mil vinhos profissionalmente, até que tive o privilégio de participar de uma degustação com Mr. Georg Riedel, em dezembro de 2008. Mudei radicalmente minha concepção sobre design de taças e sua influência nos aromas e no gosto do vinho, pois uma taça pode ser mortal a um vinho ou valorizá-lo com todo o esplendor que tenha a oferecer.
“As taças são como alto-falantes e ampliam os aromas, que são moléculas que enviamos ao cérebro.” Disse Riedel.
Na ocasião ele nos serviu, com seu próprio decanter, um Sauvignon Blanc sul-africano Steenberg 2006, na taça correta. Estava esplêndido, aromas florais intensos e elegantes, bem cítrico, na boca todo o frescor de um Sauvignon Blanc. Então Mr. Riedel propôs que passássemos o vinho para a taça ao lado que era uma taça para Chardonnay. Para surpresa de todos, os aromas sumiram e o vinho na boca ficou denso e chato, sem acidez. Voltou-se então o vinho para sua taça original e a harmonia se fez novamente! A mesma situação se repetiu com o Amélia Chardonnay que ficou completamente sem graça na taça do Sauvignon Blanc, o Bourgogne delicado e elegante na taça de Cabernet Sauvignon, se transformou num vinho inferior, pesado, amargo e cheio de tanino. Cada qual um esplendor em suas taças corretas e fraco nas taças erradas, e isso não é magia, mas conhecimento.
Riedel estudou o assunto e descobriu que os aromas vêm em camadas diferentes de volatilidade e não todos misturados. Como exemplo os aromas florais que estão numa camada mais acima dos aromas de frutas… A partir daí, desenvolveu formas mais apropriadas às tipicidades das castas para que o consumidor possa apreciar melhor cada tipo de vinho.
Essa a razão da taça de Sauvignon Blanc ser mais estreita e mais alta que a de Chardonnay com aromas mais densos como mel e manteiga. O formato influencia também ao bebermos, pois a taça de Sauvignon Blanc joga o liquido no meio da língua e não na ponta, como sabemos, as laterais da língua concentram mais papilas gustativas sensíveis à acidez e à mineralidade, atributo dessa casta. Já no caso do Chardonnay, o bojo da taça é mais largo e a taça mais baixa, permitindo oxigenar bem o vinho que passa por madeira e dispersando seus aromas, também o formato faz com que o vinho caia na ponta de nossa língua, valorizando a doçura.
“Não melhoramos o vinho”, disse Riedel. “Nós evidenciamos seus aromas.” E ainda: “É física. Quando decanto o vinho é química, aeração, mas o formato das taças e sua influência nos aromas e nos taninos e acidez dos vinhos é física, desenho baseado em pesquisa.”
Claro que não fica barato e nem prático se ter jogos de taças para cada tipo de vinho, mas acredite que faz muita diferença. Eu sugiro a você que mantenha suas taças uniformes, transparentes, e de bom formato (bojudas), para as recepções e jantares, mas mantenha apenas para seu deleite um jogo desses e quando abrir alguma preciosidade simplesmente para ter o máximo de prazer que um vinho pode lhe dar. Faça você mesmo o teste e verá. Saúde!